quinta-feira, 29 de março de 2012

Juiz que autorizou primeiro casamento gay de Minas diz que só garantiu direitos



     No dia 22 de março, o estado de Minas Gerais assistiu à realização do primeiro casamento gay de sua história na cidade de Manhuaçu (Zona da Mata mineira). O matrimônio foi autorizado pelo magistrado Walteir José da Silva, Juiz de direito da Comarca de Manhuaçu. A partir das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu a união estável, e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que abriu a possibilidade da habilitação para casamento entre pessoas do mesmo sexo, ambas de 2011, vários casamentos vêm sendo realizados no Brasil.
     Brasília, Maceió, Porto Alegre, Recife e Rio de Janeiro estão entre as capitais que já celebraram matrimônio homoafetivo. O interior do País também se movimenta e já foram registrados casamentos em Jacareí, Cajamar, Jardinópolis, Casa Branca, Franca e Caraguatatuba (todas paulistas) e mais, Soledade (RS), Cacoal (RO). Para o Juiz Walteir, que confirmou o casamento entre dois homensno interior de Minas, a pacificação sobre o tema é uma questão de tempo, "até que todos adotem o mesmo entendimento e garantam efetivamente o direito à dignidade da pessoa humana dos homossexuais". Confira mais detalhes da entrevista.

     Como o senhor se vê dando uma decisão inédita (em Minas Gerais) como esta, que permite o casamento entre dois homens, frise-se, em um estado com acentuada tradição religiosa? Primeiro, o que fiz foi simplesmente aplicar a decisão do STF e garantir os direitos dos homossexuais, com base no princípio basilar da Constituição que é o principio da igualdade ou isonomia, como forma de igualar os desiguais. Segundo, apesar da acentuada tradição religiosa do nosso Estado, a minha decisão em nenhum momento quis afrontar a fé das pessoas e muito menos a Igreja. O que se buscou com a decisão foi a garantia de direitos, conforme preconiza a Carta
Magna. Ademais, fechar os olhos para algo que já acontece no mundo fático é o mesmo que negar o direito.

     Acha que sua decisão abre precedentes para outras similares?
Com certeza, pois sabemos que existem milhares de pessoas homossexuais e que estavam encontrando dificuldades para ver garantido os seus direitos e que a partir da decisão do STF e da minha decisão vão encontrar fundamentos em outras ações com o mesmo fim. Ademais, as pessoas precisam acabar com a hipocrisia e reconhecer que o mundo sempre dependeu das diferenças, com as quais podemos não concordar, mas temos que respeitar. A frase célebre de Voltaire muito me ensinou e ensina, quando me deparo com casos emblemáticos, qual seja: "Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las". Assim, também é o direito dos homossexuais e das minorias, alguns podem não concordar, mas todos devemos lutar para que a felicidade, seja ela entre heterossexuais ou homossexuais prevaleça. Pois só se garante a dignidade da pessoa humana, quando ela está feliz.

     A chamada linha positivista do Direito alega que o Judiciário vem usurpando competência legislativa ao permitir interpretação principiológica para suprir lacuna legal. O senhor acredita que em decisões como essa há respeito ou desrespeito à separação dos poderes?
Foi o tempo em que o Judiciário era a boca da lei. Hoje, temos um judiciário muito mais ativista e com tendências a suprir as lacunas deixadas pelo legislador, justamente para garantir o comando constitucional que garante que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º inc.XXXV, da CF), mesmo naqueles casos que ainda não haja legislação ou ela é omissa.Também entendo que não há desrespeito à separação dos poderes, pois foi o próprio legislador constitucional que garantiu a possibilidade do poder judiciário legislar quando houver lacuna ou omissão da lei, tanto isto é verdade que existe o mandado de injunção e outros comandos constitucionais no mesmo sentido.

     Considera que sua decisão foi dada em sintonia com os movimentos sociais atuantes hoje na sociedade brasileira?
Sim. A nossa sociedade já não é a mesma de antigamente. Hoje, existem movimentos sociais em todos os sentidos e não se pode dizer que os movimentos em prol dos homossexuais seja ilegítimo, tanto que o STF em decisão inédita, com efeitos erga ommnes (efeito para todos) e vinculante, reconheceu a união estável homoafetiva como entidade familiar, possibilitando, inclusive, o casamento. Registro que esta decisão busca quebrar preconceitos com a finalidade de reconhecer que cada pessoa é individual e tem direito de ser feliz, seja com uma pessoa do sexo oposto ou não.

     Na sua opinião, qual o papel que o magistrado deve ter hoje ao julgar questões do Direito de Família?
Em primeiro lugar, deve olhar para a Constituição que garante o direito de todos, independentemente da opção ou orientação sexual. Em segundo, pela preservação da família, seja ela heterossexual ou homossexual, já que toda família deve ser reconhecida como entidade familiar e com fins de crescimento da sociedade. Ressalto, que apesar de cada juiz ter suas próprias convicções, ele deve estar sempre atento às mutações sociais, principalmente quando ocorre interpretação constitucional da matéria por quem é o seu guardião, o STF.

     Como não há hierarquia entre as formas constituídas de família, aplicam-se as mesmas regras para o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Por que, então, alguns órgãos do Judiciário insistem em não respeitar a decisão com força vinculante dada pelo Supremo em5.5.2011, que reconheceu a entidade familiar homoafetiva?
Quero registrar que não posso responder pelos juízes que não estão cumprindo a decisão do STF, mas ao mesmo tempo posso dizer que existem meios legais de se buscar o cumprimento das decisões do STF, principalmente quando se trata de decisão com efeito vinculante. O primeiro deles é o recurso cabível, em tese, a apelação. O segundo, a reclamação. Na verdade, é só uma questão de tempo, até que todos adotem o mesmo entendimento e garantam efetivamente o direito à dignidade da pessoa humana, dos homossexuais.

     Os direitos das minorias, como os dos homossexuais, não devem sersubmetidos à aprovação das maiorias?
Entendo que não. A necessidade de submeter à aprovação das maiorias os eventuais direitos de homossexuais ou de qualquer outra minoria fere de morte a Carta Magna pois o princípio basilar da norma constitucional é igualar os desiguais, na busca da igualdade material e não apenas formal. Assim foi com o direito de cotas para os negros e índios nas universidades, que são minorias. A verdade é que temos de deixar de ser hipócritas e sermos mais humanos. A pessoa só valoriza o outro ser humano que se declara homossexual quando tem um irmão, pai ou filho homossexual e vê que a coisa é diferente e precisa mudar os seus conceitos.


28/03/2012 | Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM

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