A Separação do Casal e a Guarda Compartilhada dos Filhos
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Lindajara Ostjen Couto*
"As coisas devem ser o que podem ser".
Shakespeare
1. A Família Atual
O paradigma "família", em profunda transição, dominou a nossa
cultura por décadas, modelou a sociedade ocidental e influenciou o resto do
mundo.
Tal modelo compreende uma série de valores e idéias que romperam com os
valores e as idéias do período medieval e se aliaram as diversas correntes da
cultura ocidental, destacando, principalmente, o iluminismo e a revolução
ocidental.
A mudança desse paradigma envolve a mudança de pensamento e de valores
formadores da realidade, e, cumpre ressaltar que a crise atual não é uma crise
de indivíduos, de governos, de instituições sociais, culturais ou jurídicas, é
uma transição de dimensão mundial.
A família sofreu profundas mudanças quanto à natureza, função,
composição e concepção nas últimas décadas no Brasil e no mundo inteiro. Deixou
de ser um núcleo econômico e de reprodução para ser um espaço do amor,
companheirismo e de afeto.
O sexo, o casamento e a reprodução deixaram de ser o sustentáculo da
família.
O ordenamento jurídico brasileiro, com o advento da Constituição Federal
de 1988 e o Código Civil de 2002 estabelecem novas formas de família, de
conjugalidade, de parentalidade e de reprodução.
É considerada "entidade familiar" a união estável, a família
monoparental, ou seja, as famílias constituídas por apenas um dos pais e seus
descendentes, além daquelas constituídas pelo matrimônio.
A expressão "pátrio poder" é substituída pela "poder
familiar", no Código Civil Brasileiro atual (de 2002 que substituiu o de
1916), evidentemente, pela decorrência da atual crise da família
masculina-patriarcal e a presença de novas configurações familiares, além dos
avanços tecnológicos e sociais, como, por exemplo: "descoberta de
contraceptivos eficazes, com planejamento familiar afetivo, fertilização manipulada,
liberação do aborto, dessacralização da maternidade e do casamento, dissociação
do sexo-afeto,implantação da educação igualitária,com respeito às diferenças -
crescimento e divulgação dos movimentos feministas, 'a mais longa das
revoluções',com leis avançadas,imbuídas de proteção à mulher e que minaram a
hierarquização entre os gêneros".
O elo entre o pai-mãe e filhos hoje não é apenas o biológico, pois o
vínculo socioafetivo é um valor jurídico no direito de família brasileiro.
Portanto, pai é aquele que cuida, ampara, ama e educa.
Efetivamente, hoje, o pai não é o "marido da mãe" (mas pode
até ser).
O avanço biotecnológico e a medicina reprodutiva têm alcançado êxito na
elaboração de métodos artificiais para solucionar problemas de saúde que
impossibilitam ou dificultam a reprodução humana.
A reprodução humana é um projeto que pode ser pessoal, pode ser
realizado fora de uma entidade familiar e, inclusive, pode ocorrer independente
de relações sexuais heterossexuais.
O modelo de família-patriarcal em crise não significa um indício de que
a família irá desaparecer. Indica, apenas, a sua transformação e a sua
adequação com o terceiro milênio.
Basta a singela observação do desejo, sempre presente, das pessoas
(independente da orientação heterossexual ou homossexual) em formarem famílias.
Porque a família é o melhor lugar para o ser humano desenvolver as suas
potencialidades.
2. A dissolução da sociedade conjugal
É na ruptura da convivência conjugal que constitui na separação (de fato
ou judicial) ou no divórcio, que a lei determina que o exercício da guarda dos
filhos será confiado a um dos cônjuges.
O casal sofre com o fracasso do seu projeto de vida em comum, deste
sofrimento brotam os mais variados sentimentos como a decepção, a angústia, a
ansiedade, a tristeza, a raiva, a vingança e demais outros tormentos.
Quando o litígio é referente à guarda de filhos, o primeiro aspecto a
ser verificado é a necessidade de proteção e o melhor interesse da prole.
A relação entre os integrantes da família se transforma muito quando
ocorre o efetivo rompimento da convivência conjugal e a cisão da guarda,
exigindo de todos os membros uma grande adaptação.
É fundamental estabelecer que a "questão da guarda pode ser
discutida e resolvida, abstraídos os motivos da separação dos pais".
Quando esses pais constituem uma nova família e quando o seu novo
cônjuge também é proveniente de um casamento desfeito, normalmente, há o
surgimento de conflitos a serem administrados pelos menores, pelos seus pais e
pelo novo cônjuge dos pais. Os membros de famílias reconstruídas, enfrentam ou
administram fatos, como, por exemplo: os pais têm de que dividir o afeto, o
tempo, o dinheiro e atenção dedicada aos filhos do relacionamento atual e os do
anterior; os filhos que provêm de casamentos anteriores do outro cônjuge; a
convivência entre os filhos de cada cônjuge e os comuns do novo relacionamento
(os teus, os meus e mais: os nossos); a duplicidade de lares dos filhos; os
pais de fim-de-semana; os padrastos; as madrastas; os enteados; os avós
emprestados e etc.
É importante que os filhos sintam que há lugar para eles na vida do pai
e da mãe depois do divórcio. Os pais precisam confirmar aos filhos que os
vínculos com os dois genitores serão mantidos.
Os pais devem ter a consciência de que a relação entre eles, ou seja, a
relação conjugal que se dissolveu é diversa da relação existente de cada um
deles com os filhos que tiveram em comum.
Quando a mãe não detém a guarda dos filhos, elas visitam mais os filhos
que os pais (que não têm a guarda) e desempenham um papel ativo no
desenvolvimento e rotina do filho, conversam mais com a criança e ajudam mais
nas tarefas, mas têm problema para discipliná-los e freqüentemente entram em
conflito com a esposa do ex-marido.
E quando são os pais que não detêm a guarda é comum se relacionarem com
a criança de forma superficial, como se todo o dia fosse "dia de
festa", deixando para a mãe-guardiã a educação e desenvolvimento do seu
filho.
Neste contexto, considerando os valores e necessidades da atualidade, se
desenvolve um novo modelo de guarda: a guarda compartilhada.
3. A Guarda Compartilhada
A guarda compartilhada é orientada para manter viva a relação dos pais e
filhos, com objetivo de desenvolver o vínculo afetivo ao proporcionar maior
tempo de relacionamento dos filhos com os pais após a dissolução do vínculo
conjugal.
Embora não exista um dispositivo legal que a abrigue, não existe nenhuma
vedação legal.
E protege um bem precioso: a vida do ser humano em sua formação, a
criança e o adolescente, cujos direitos têm prioridade no plano constitucional.
A guarda compartilhada é a atribuição da guarda jurídica do menor a
ambos os pais, para que exerçam igualitariamente os direitos e deveres
inerentes ao pátrio poder, vem assegurar essa continuidade do casal parental,
em benefício do menor.
O pai e mãe separados entre si estão em igualdade, relativamente às responsabilidades
na educação e formação dos filhos e ao direito de convívio com as crianças.
As conseqüências da separação conjugal, na vida dos filhos, diminuem,
pois "a guarda conjunta preservaria o relacionamento pais-filhos,
proporcionando um melhor desenvolvimento psico-emocional das crianças oriundas
de famílias desfeitas e diminuindo o afastamento do genitor que não detém a
guarda".
Guarda conjunta ou compartilhada não se refere apenas à tutela física ou
custódia material, mas todos outros atributos da autoridade parental são
exercidos em comum, "os pais tem efetiva e equivalente autoridade legal
para tomar decisões importantes quanto ao bem estar de seus filhos e
freqüentemente têm uma paridade maior no cuidado a eles do que os pais com guarda
única", ou seja, é a divisão da guarda jurídica.
Denomina-se de "guarda alternada" quando há a divisão apenas
da guarda física, onde os ex-cônjuges são "obrigados por lei a dividir em
partes iguais o tempo passado com os filhos.
Ela é inconveniente à consolidação dos hábitos, dos valores, padrões e
idéias na mente do menor e à formação de sua personalidade".
Portanto, "guarda física é aquela com quem reside à criança e
guarda jurídica aquela de quem detém todos os atributos que o tornam
responsável pelo sustento, manutenção e educação do filho".
O menor passa determinado período de tempo com um dos genitores e outro
período com o outro.
Há a necessidade de mudança de domicílio restando prejudicial ao menor
pelas adaptações e readaptações constantes e, ainda, causando instabilidade e
insegurança na importante fixação do lar como ponto de referência pessoal.
A concessão da guarda compartilhada ou conjunta exige a fixação de um
domicílio único para o menor.
O pressuposto de maior importância para a determinação da guarda
compartilhada, no entanto, é o bom relacionamento dos pais. O respeito, a
amizade e a cumplicidade dos genitores é requisito fundamental para a
manutenção da guarda compartilhada. Na prática, o requisito não é nada fácil.
Os Pais que vivem em um continuado desentendimento, não cooperativos,
não comunicativos, insatisfeitos e que "sabotam um ao outro contaminam o
tipo de educação que proporcionam aos filhos" podem tornar a guarda
compartilhada em um tormento para seus filhos.
A guisa de conclusão a guarda compartilhada é o meio capaz de assegurar
a igualdade entre os genitores, atender ao melhor interesse do menor e, ainda,
proporcionar uma relação satisfatória para todos membros após a dissolução
conjugal.
Mas, é um arranjo que não serve para todos, pois depende de uma
sofisticada relação pós-conjugal dos pais.
Importa a conscientização de que no rompimento da convivência conjugal
ocorre à cisão da guarda dos filhos e o casal gestor deve ter o pleno
entendimento de que a partir deste momento serão ex-marido ou ex-mulher, mas não serão ex-pai ou ex-mãe.
*Advogada,
licenciada em Letras pela PUC/RS, bacharel em Ciências Jurídicas pela Faculdade
de Direito da PUCRS, com especialização em Direito Civil pela UFRGS e Direito
de Família e Sucessões pela Universidade Luterana (ULBRA/RS), Mestre em
Direitos Fundamentais na Universidade Luterana (ULBRA/RS).