quinta-feira, 2 de maio de 2013

Os Meus, os Teus e os Nossos




A Separação do Casal e a Guarda Compartilhada dos Filhos



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Lindajara Ostjen Couto*


"As coisas devem ser o que podem ser".
                                     Shakespeare





1. A Família Atual

     O paradigma "família", em profunda transição, dominou a nossa cultura por décadas, modelou a sociedade ocidental e influenciou o resto do mundo.

     Tal modelo compreende uma série de valores e idéias que romperam com os valores e as idéias do período medieval e se aliaram as diversas correntes da cultura ocidental, destacando, principalmente, o iluminismo e a revolução ocidental.

     A mudança desse paradigma envolve a mudança de pensamento e de valores formadores da realidade, e, cumpre ressaltar que a crise atual não é uma crise de indivíduos, de governos, de instituições sociais, culturais ou jurídicas, é uma transição de dimensão mundial.

     A família sofreu profundas mudanças quanto à natureza, função, composição e concepção nas últimas décadas no Brasil e no mundo inteiro. Deixou de ser um núcleo econômico e de reprodução para ser um espaço do amor, companheirismo e de afeto.

     O sexo, o casamento e a reprodução deixaram de ser o sustentáculo da família.

     O ordenamento jurídico brasileiro, com o advento da Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002 estabelecem novas formas de família, de conjugalidade, de parentalidade e de reprodução.

     É considerada "entidade familiar" a união estável, a família monoparental, ou seja, as famílias constituídas por apenas um dos pais e seus descendentes, além daquelas constituídas pelo matrimônio.

     A expressão "pátrio poder" é substituída pela "poder familiar", no Código Civil Brasileiro atual (de 2002 que substituiu o de 1916), evidentemente, pela decorrência da atual crise da família masculina-patriarcal e a presença de novas configurações familiares, além dos avanços tecnológicos e sociais, como, por exemplo: "descoberta de contraceptivos eficazes, com planejamento familiar afetivo, fertilização manipulada, liberação do aborto, dessacralização da maternidade e do casamento, dissociação do sexo-afeto,implantação da educação igualitária,com respeito às diferenças - crescimento e divulgação dos movimentos feministas, 'a mais longa das revoluções',com leis avançadas,imbuídas de proteção à mulher e que minaram a hierarquização entre os gêneros".

     O elo entre o pai-mãe e filhos hoje não é apenas o biológico, pois o vínculo socioafetivo é um valor jurídico no direito de família brasileiro.

    Portanto, pai é aquele que cuida, ampara, ama e educa.

     Efetivamente, hoje, o pai não é o "marido da mãe" (mas pode até ser).

     O avanço biotecnológico e a medicina reprodutiva têm alcançado êxito na elaboração de métodos artificiais para solucionar problemas de saúde que impossibilitam ou dificultam a reprodução humana.

     A reprodução humana é um projeto que pode ser pessoal, pode ser realizado fora de uma entidade familiar e, inclusive, pode ocorrer independente de relações sexuais heterossexuais.

     O modelo de família-patriarcal em crise não significa um indício de que a família irá desaparecer. Indica, apenas, a sua transformação e a sua adequação com o terceiro milênio.

     Basta a singela observação do desejo, sempre presente, das pessoas (independente da orientação heterossexual ou homossexual) em formarem famílias.

     Porque a família é o melhor lugar para o ser humano desenvolver as suas potencialidades.


2. A dissolução da sociedade conjugal


     É na ruptura da convivência conjugal que constitui na separação (de fato ou judicial) ou no divórcio, que a lei determina que o exercício da guarda dos filhos será confiado a um dos cônjuges.

     O casal sofre com o fracasso do seu projeto de vida em comum, deste sofrimento brotam os mais variados sentimentos como a decepção, a angústia, a ansiedade, a tristeza, a raiva, a vingança e demais outros tormentos.

     Quando o litígio é referente à guarda de filhos, o primeiro aspecto a ser verificado é a necessidade de proteção e o melhor interesse da prole.

     A relação entre os integrantes da família se transforma muito quando ocorre o efetivo rompimento da convivência conjugal e a cisão da guarda, exigindo de todos os membros uma grande adaptação.

     É fundamental estabelecer que a "questão da guarda pode ser discutida e resolvida, abstraídos os motivos da separação dos pais".

     Quando esses pais constituem uma nova família e quando o seu novo cônjuge também é proveniente de um casamento desfeito, normalmente, há o surgimento de conflitos a serem administrados pelos menores, pelos seus pais e pelo novo cônjuge dos pais. Os membros de famílias reconstruídas, enfrentam ou administram fatos, como, por exemplo: os pais têm de que dividir o afeto, o tempo, o dinheiro e atenção dedicada aos filhos do relacionamento atual e os do anterior; os filhos que provêm de casamentos anteriores do outro cônjuge; a convivência entre os filhos de cada cônjuge e os comuns do novo relacionamento (os teus, os meus e mais: os nossos); a duplicidade de lares dos filhos; os pais de fim-de-semana; os padrastos; as madrastas; os enteados; os avós emprestados e etc.

     É importante que os filhos sintam que há lugar para eles na vida do pai e da mãe depois do divórcio. Os pais precisam confirmar aos filhos que os vínculos com os dois genitores serão mantidos.

     Os pais devem ter a consciência de que a relação entre eles, ou seja, a relação conjugal que se dissolveu é diversa da relação existente de cada um deles com os filhos que tiveram em comum.

     Quando a mãe não detém a guarda dos filhos, elas visitam mais os filhos que os pais (que não têm a guarda) e desempenham um papel ativo no desenvolvimento e rotina do filho, conversam mais com a criança e ajudam mais nas tarefas, mas têm problema para discipliná-los e freqüentemente entram em conflito com a esposa do ex-marido.

     E quando são os pais que não detêm a guarda é comum se relacionarem com a criança de forma superficial, como se todo o dia fosse "dia de festa", deixando para a mãe-guardiã a educação e desenvolvimento do seu filho.

     Neste contexto, considerando os valores e necessidades da atualidade, se desenvolve um novo modelo de guarda: a guarda compartilhada.


3. A Guarda Compartilhada


     A guarda compartilhada é orientada para manter viva a relação dos pais e filhos, com objetivo de desenvolver o vínculo afetivo ao proporcionar maior tempo de relacionamento dos filhos com os pais após a dissolução do vínculo conjugal.

     Embora não exista um dispositivo legal que a abrigue, não existe nenhuma vedação legal.

     E protege um bem precioso: a vida do ser humano em sua formação, a criança e o adolescente, cujos direitos têm prioridade no plano constitucional.

     A guarda compartilhada é a atribuição da guarda jurídica do menor a ambos os pais, para que exerçam igualitariamente os direitos e deveres inerentes ao pátrio poder, vem assegurar essa continuidade do casal parental, em benefício do menor.

     O pai e mãe separados entre si estão em igualdade, relativamente às responsabilidades na educação e formação dos filhos e ao direito de convívio com as crianças.

     As conseqüências da separação conjugal, na vida dos filhos, diminuem, pois "a guarda conjunta preservaria o relacionamento pais-filhos, proporcionando um melhor desenvolvimento psico-emocional das crianças oriundas de famílias desfeitas e diminuindo o afastamento do genitor que não detém a guarda".

     Guarda conjunta ou compartilhada não se refere apenas à tutela física ou custódia material, mas todos outros atributos da autoridade parental são exercidos em comum, "os pais tem efetiva e equivalente autoridade legal para tomar decisões importantes quanto ao bem estar de seus filhos e freqüentemente têm uma paridade maior no cuidado a eles do que os pais com guarda única", ou seja, é a divisão da guarda jurídica.

     Denomina-se de "guarda alternada" quando há a divisão apenas da guarda física, onde os ex-cônjuges são "obrigados por lei a dividir em partes iguais o tempo passado com os filhos.

     Ela é inconveniente à consolidação dos hábitos, dos valores, padrões e idéias na mente do menor e à formação de sua personalidade".

     Portanto, "guarda física é aquela com quem reside à criança e guarda jurídica aquela de quem detém todos os atributos que o tornam responsável pelo sustento, manutenção e educação do filho".

     O menor passa determinado período de tempo com um dos genitores e outro período com o outro.

     Há a necessidade de mudança de domicílio restando prejudicial ao menor pelas adaptações e readaptações constantes e, ainda, causando instabilidade e insegurança na importante fixação do lar como ponto de referência pessoal.

     A concessão da guarda compartilhada ou conjunta exige a fixação de um domicílio único para o menor.

     O pressuposto de maior importância para a determinação da guarda compartilhada, no entanto, é o bom relacionamento dos pais. O respeito, a amizade e a cumplicidade dos genitores é requisito fundamental para a manutenção da guarda compartilhada. Na prática, o requisito não é nada fácil.

     Os Pais que vivem em um continuado desentendimento, não cooperativos, não comunicativos, insatisfeitos e que "sabotam um ao outro contaminam o tipo de educação que proporcionam aos filhos" podem tornar a guarda compartilhada em um tormento para seus filhos.

     A guisa de conclusão a guarda compartilhada é o meio capaz de assegurar a igualdade entre os genitores, atender ao melhor interesse do menor e, ainda, proporcionar uma relação satisfatória para todos membros após a dissolução conjugal.

     Mas, é um arranjo que não serve para todos, pois depende de uma sofisticada relação pós-conjugal dos pais.

     Importa a conscientização de que no rompimento da convivência conjugal ocorre à cisão da guarda dos filhos e o casal gestor deve ter o pleno entendimento de que a partir deste momento serão ex-marido ou ex-mulher, mas não serão ex-pai ou ex-mãe.




                *Advogada, licenciada em Letras pela PUC/RS, bacharel em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da PUCRS, com especialização em Direito Civil pela UFRGS e Direito de Família e Sucessões pela Universidade Luterana (ULBRA/RS), Mestre em Direitos Fundamentais na Universidade Luterana (ULBRA/RS).

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